sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Como tudo começou (GENESIS, Cap I, 1:57)

GENESIS (mas sem o Phil Collins e ainda com o Peter Gabriel)
Capítulo I, Versículos 1:57

  1. No princípio era o Verbo. 
  2. Depois, Deus achou que era pouco e fez também os Complementos Directos. 
  3. E, depois, fez também os Complementos Indirectos que são aqueles que não têm nada a ver com o assunto mas que metem sempre o bedelho e que são como as vizinhas cuscas que nunca saem de casa mas que sabem vida e milagre de todo o bairro. 
  4. E, vendo que a frase ficava coxa e que lhe faltava mais qualquer coisa, Deus criou as Interjeições e as obscenidades: "Foda-se, falta aqui uma merda qualquer!". 
  5. E foi assim que Deus Se viu obrigado a criar o Sujeito. 
  6. E Deus já tinha armado a frase mas faltavam agora os actores para interpretar as personagens. 
  7. E Deus resolveu abrir um casting para o que tinha criado. 
  8. E criou o Livre Arbítrio, para que os candidatos se pudessem sentir mais soltos e relaxados e essas coisas assim. 
  9. E Deus quis que os candidatos ficassem ainda mais relaxados e fez com que aparecesse Água fresca nos camarins.
  10. E depois, Deus fez aparecer também Salgadinhos e Fruta da Época para que os candidatos se saciassem mais ainda.
  11. E para que os candidatos não fossem fazer a prova a arrotar e para evitar as flatulências que podiam dar maus cheiros, Deus fez aparecer Água com Gás.
  12. Mas depois vieram aqueles que só vinham atrás dos croquetes e das miniaturas de caramujos.
  13. E Deus zangou-se com eles e chamou-os de parasitas.
  14. E Deus tinha acabado de criar o Insulto.
  15. E Deus resolveu por uma nota no cartaz que anunciava o casting dizendo: "Penetras, abstenham-se! Perigo de Fúria Divina"
  16. E Deus constatou que tinha acabado de criar a Ira.
  17. E Deus ficou nervoso com isso pois achou que a Ira, apesar de ser uma característica de liderança com pulso firme, O deixava muito nervoso.
  18. E que tal não podia acontecer pois Deus ficava com tremores nas Suas mãos e que isso O impedia de continuar a Sua obra.
  19. E que o prazo que Deus tinha imposto a Si mesmo estava quase a acabar e que só no sétimo dia poderia descansar e ainda só ia no primeiro.
  20. E que ainda faltava criar as Focas, o Ornitorrinco, as Ténias, os Nenúfares, o Oxigénio, os Mares, as Montanhas, a Fé e as outras duas Virtudes, as Macieiras, a Serpente e Eva.
  21. E que também faltava ainda criar o resto do Universo.
  22. E Deus, pensando nestas coisas, considerou que deveria ter arranjado alguém que o ajudasse.
  23. E que poderia ter criado um tablet para anotar tudo aquilo que tinha que fazer.
  24. E Deus resolveu então continuar com a tarefa que tinha proposto a Si mesmo realizar. 
  25. E Deus pensou em prolongar o prazo.
  26. E foi nesse instante que Deus se sentiu português.
  27. Mas porque faltava ainda criar Portugal, Deus resolveu que tal seria competência de Dom Afonso Henriques, pois Deus só tratava da parte imobiliária e considerou que as confusões com heranças indivisas não seriam da Sua competência.
  28. E Deus considerou que em boa hora tinha criado o Livre Arbítrio para que fosse a Humanidade a tratar disso tudo e a matarem-se uns aos outros à sacholada, se tal fosse mesmo necessário.
  29. E, por falar em Livre Arbítrio e em Humanidade, Deus lembrou-se que não podia tergiversar enquanto tivesse aquela tarefa entre mãos.
  30. E então Deus criou o Paraíso para ter árvores onde pudesse afixar os novos cartazes do casting, aqueles que tinha corrigido.
  31. E primeiro compareceu o Bacalhau e depois o Perú e depois o Polvo. 
  32. E Deus disse-lhe: "Vão-se embora porque vocês não são feitos à Minha imagem e semelhança e acabarão por ser comidos na Ceia de Natal e, por isso mesmo, não chegarão à Páscoa e não morrerão na Cruz e, quando muito, só ressuscitarão na passagem de ano, quando aparecer o Leitão. Isto, se a austeridade permitir e o consumismo a isso obrigar". 
  33. E eles foram-se embora tristitos. 
  34. Mas Deus chamou-os outra vez. 
  35. E eles voltaram, esperançosos de que Deus lhes atribuísse um papel naquela sua produção. 
  36. Mas não: Deus apenas lhes disse: "Além disso, não sei se conseguem imaginar o Judas a dar-vos beijocas...". 
  37. E Deus viu então que tinha acabado de inventar o Sarcasmo. 
  38. E Deus riu-se da sua própria piada. 
  39. E Deus riu-se com gosto. 
  40. E Deus constatou que tinha acabado de inventar o Prazer. 
  41. E Deus ficou preocupado. 
  42. Porque Deus considerou que se dava prazer também deveria ser Pecado. 
  43. E Deus resolveu que todo o Prazer deveria ser Pecado porque Deus considerou que o Prazer só por si, assim, a seco, poderia ser perigoso. 
  44. E foi então que Deus achou que deveria inventar o Medo. 
  45. E Deus achou que fazia bem. 
  46. Mas também achou que deveria inventar o Susto, que é como uma espécie de estágio antes de se ter Medo. 
  47. E compareceu o Bolo-Rei. 
  48. E Deus achou que estava certo para o papel de Susto. 
  49. E Deus, para incrementar mais o Susto, criou a Fava. 
  50. E constatou que a Fava servia mesmo à maneira. 
  51. E, para interpretar o Medo, Deus abriu outro casting. 
  52. E compareceu o Demónio. 
  53. Mas também compareceu o Cavaco. 
  54. E o Demónio fugiu com medo. 
  55. E Deus também teve vontade de fugir e quis acordar porque deu conta que tinha criado o Pesadelo. 
  56. Mas Deus voltou a dormir. 
  57. E o Medo aproveitou a ausência de Deus para comer o Susto.

(continua...)

Carlos Clara Gomes

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